Uma das mais famosas escolas de gastronomia do planeta foi criada para reeducar os norte-americanos embrutecidos pela II Guerra Mundial e, de volta para casa, precisando de nova ocupação. Isso aconteceu em 1946 e desde então diversas gerações se formaram nessa esteira, alguns transformados em celebridade, caso de Antony Bourdais, o famoso globetrotter do canal Discovery Travel & Living. Um dos mais famosos integrantes dessa rede de escolas, The Culinary Institute of America, em St. Helena, no Napa Valley, a região californiana produtora de vinhos como o blend tinto Opus One e o branco Chateau Montelena Chardonnay, mundialmente famosos. Nada mais óbvio, afinal a gastronomia e o vinho são unha e carne. É nesse local onde brilha o carioca Almir da Fonseca, hoje o chef Senior da escola, chef de Gastronomia Avançada, chef certificado, professor de Arte Culinária e chef executivo do Wine Spectator Greystone Restaurant, o braço prático da escola.
Formado em gastronomia no Sul da França, Almir da Fonseca graduou todas as classes da escola do Napa desde 2007. Os funcionários, da portaria ao salão, dão as melhores referências dele. E, na manhã da quarta-feira 15/04, envolvido com a última aula da turma que se formaria dois dias depois e sem nada marcado com antecedência, ele recebeu o blog para esta entrevista:
Blog – O Instituto formou alguns nomes famosos, como é o caso de Antony Bourdais, do Discovery Travel & Living. Quais outros nomes famosos foram formados na escola?
Chef Almir da Fonseca – O chef Antony Bourdais não se graduou aqui no Napa. Quando ele se graduou, essa escola ainda não existia. Ele estudou na primeira escola do Instituto, no Estado de Nova Iorque. Temos vários outros nomes graduados aqui, que estão fazendo sucesso por aí, como Katy Corer, Goldman e outros grandes do mercado. Uma nova classe sai agora, sexta-feira (17/04).
Blog – Como é o formato do curso?
Chef Almir – Temos vários, o primeiro é o de 18 meses. Temos outro, de 30 semanas, desenhado para pessoas que graduaram de alguma universidade, com diploma relacionado à indústria culinária, como dieta, nutrição, gerenciamento. Esse pessoal faz esse curso de 30 semanas. Temos também o bacharelado, onde o aluno faz um curso de 18 meses, depois volta para mais 18 meses. Aí forma bacharel em Gastronomia.
Blog – O restaurante é totalmente tocado pelos alunos?
Chef Almir – Sim. Apenas por alunos.
Blog – Da outra vez que estivemos aqui, há dois anos, havia uma carta de vinho enorme, que tinha, por exemplo, todas as safras do Opus One. O cardápio inteiro era servido com harmonização de vinho, inclusive os ‘agrados do chef’ da entrada. Agora, a carta cabe numa folha de papel e a harmonização fica por conta do cliente. O que houve?
Chef Almir – A gente não mudou nada. O que houve é que cada período é baseado no curso. Nesse período nós temos duas classes graduando e estamos abrindo apenas para jantar. Da outra vez que vocês vieram eram quatro classes, duas pela manhã e duas à noite, se revezando entre a frente, o salão, e a cozinha. Agora, nesse período, primavera e princípio do verão, temos duas classes graduando e abrimos apenas para o jantar. Nossa carta de vinho continua sendo Wine Spectator e grande do mesmo jeito.
Blog – Então essa carta curta é provisória?
Chef Almir – Ela é baseada no menu que a gente está servindo agora, relacionado às provas finais da classe que vai graduar sexta-feira (17/04). É tudo em relação ao menu que estamos servindo, inclusive os vinhos. É relacionado às provas finais dos alunos.
Blog – Vocês têm um lugar onde o visitante possa ver a coleção de vinhos de vocês?
Chef Almir – Temos o Road Cenas, onde damos o curso de vinhos e há uma cave onde os vinhos ficam guardados. Mas esse espaço não é aberto para visitação do público, por causa da temperatura. Só abrimos em determinada hora, para retirar os vinhos.
Blog – O senhor trabalha em algum restaurante ou só dá consultoria?
Chef Almir – Faço parte de um grupo que abre restaurantes em vários lugares. Temos restaurantes parceiros na Guatemala e Estados Unidos. Desenho as receitas e o treinamento, treino os cozinheiros, troco o menu etc. Mas aqui na escola é onde fico a maioria do tempo. Não somente dou aula em turmas como essa, que estou aqui, que é de profissionais, como cuido do restaurante. Esses aqui estão fazendo uma semana comigo e de noite é a classe que vai graduar. É a minha casinha aqui.
Blog – Como é definido o cardápio do Wine Spectator? É o senhor que faz ou são os alunos que fazem?
Chef Almir – Sou eu que faço. Uso as coisas da temporada, da estação. Do outro lado da rua temos nosso jardim onde produzimos 80% do que usamos na cozinha. Está saindo da terra e a gente cozinhando. Outra coisa que define o menu são as técnicas de cocção que serão usadas no curso e irão no exame final. Por exemplo, esta menina (aponta aluna), se ela for grelhar no exame final, os menus que o sommelier for decidir estarão diretamente baseados nisso. A educação dos alunos é o nosso foco.
Blog – O senhor conhece o Amazonas e o Brasil. No Amazonas, a alimentação básica é feita do peixe grelhado na lenha e a farinha. É a culinária básica do amazonense. É possível implantar num lugar assim a chamada alta gastronomia?
Chef Almir – O termo “alta gastronomia” está sendo usado em vários lugares, e o Brasil é um dos países para onde viajo que mais fazem isso, de maneira que não é exatamente certa. Alta gastronomia não deve significar os pratos mais complicados, os pratos mais caros. Deve significar os pratos que têm as melhores técnicas de cocção, que têm os ingredientes de mais alta qualidade. Se o produto é maravilhoso, tudo sai melhor. Se estou em Manaus, alta gastronomia será a melhor qualidade de pirarucu, um tacacá com camarão maravilhoso, com o caldo perfeito, jambu verdinho, fresquinho. Não significa que seja caro ou servido num restaurante que todo mundo esteja de terno e gravata. É baseado na técnica, na maneira como o cozinheiro trata o ingrediente e se o produto é conservado corretamente.
Blog – O conceito é diferente…
Chef Almir – Se você for no meu website, o www.chefealmirdafonseca.com, você vai ver o meu chamado “Projeto Brasil”, uma pesquisa de 24 anos. Eu viajei todos os Estados do Brasil, fazendo vários vídeos, fotos e coletando receitas. Eu fiquei longo tempo no Amazonas, cozinhando com Goreth, com a Mazé (Mourão). Eu vi grande gastronomia e a gente não chama alta gastronomia porque é comida do povo. Mas a gente precisa pensar que o povo é o nosso cliente e se eu for abrir um restaurante tenho que me basear no que o povo gosta. Se estou em Manaus, abrir um restaurante de alta gastronomia é basear as coisas no gosto do povo. Se o pessoal gosta de uma farinha de grão mais grosso que o de Curitiba, onde o gosto é por uma farinha mais fina, vou servir a farinha d’água do jeito que o povo gosta no Norte. Faria um pirarucu fenomenal, um tambaqui fenomenal, uma pescada fenomenal. Isso é alta gastronomia. Os chefs celebridades estão separando o que a gente chama de alta gastronomia do povo, abrindo restaurante servindo umas coisinhas que ninguém serve e ninguém vê. Vira um restaurante para turista porque o povo não vai comer. Você tem que abrir um restaurante que o povo gosta e todo mundo vai. Uma pescadinha com pimenta de cheiro, um pirarucu grelhado na folha de banana, um risoto com jambu, um tambaqui no leite de coco… Isso é alta gastronomia e a gente está dando valor aos nossos ingredientes e ao que o cliente quer ver no nosso restaurante.
Blog – Um empresário que quisesse montar um restaurante e precisasse contratar um serviço como o seu, de que tempo e do que mais precisaria?
Chef Almir – Depende do tamanho do restaurante e do menu. Eu posso viajar para o Brasil e ficar lá duas semanas, sem problema, desenvolvendo o cardápio.
Blog – Isso é muito caro?
Chef Almir – Não. Tem várias opções. Depende de como vai ser o restaurante, qual o sistema, como é a parte econômica do projeto, se haverá uma parte para educar os cozinheiros ou se é para educar o povo ou simplesmente para obter lucro. Tudo isso a gente leva em conta, a filosofia por trás da criação do restaurante.
Blog – Esse instituto continua sendo uma fundação? Ele nasceu com uma primeira contribuição da Wine Spectator e continua assim?
Chef Almir – Todas as escolas do Instituto de Culinária da América (The Culinary Institute of America ) não visam lucro. Nossa primeira escola foi aberta, em 1946, para treinar o pessoal que estava de volta da guerra. O que o estudante paga para estar aqui é o que custa para manter e operar a nossa escola.
Blog – Média de US$ 40 mil por curso?
Chef Almir – Depende do curso. Um curso de 18 meses fica em média por US$ 64 mil.
Blog – Qual o seu conselho para os alunos dos cursos de gastronomia de Manaus e do Brasil?
Chef Almir – Eu convidaria as escolas para me chamar para fazer palestra de gastronomia. Quero falar sobre o que os estudantes vão fazer com sua educação. Segundo, quero explicar que gostar de cozinhar não é o suficiente. Tem que amar cozinhar. Se eles estão na gastronomia para desfilar no salão, como celebridade, não vão ajudar nossa gastronomia. Cozinheiro treinado tem que ficar na cozinha, cozinhando. É assim que a gastronomia vai melhorar. Se o chef treinado passar mais tempo no salão que na cozinha, quem vai continuar cozinhando é o seo João e dona Maria. Se os chefs treinados não cozinham, como a gente espera que nossa gastronomia vá melhorar? Espero que eles ajudem a proteger nossa gastronomia, as técnicas culinárias, treinar e ensinar a próxima geração que virá depois deles. Senão vamos continuar fazendo como quando éramos crianças: seo João e dona Maria cozinhando e o chef caminhando no salão.
Vai viajar?
Reserve seu hotel agora no booking.com. Em alguns casos, a sua reserva pode ser cancelável (Confira as regras) - CLIQUE AQUI
Aluguel de carros no Brasil e no exterior - CLIQUE AQUI
Passagens aéreas e pacotes para sua viagem - CLIQUE AQUI
Bela entrevista, esclarecedora, o Chef Almir Fonseca é excelente chef e altamente didático. Adorei quando ele fez referência ao meu nome. Fiquei honradíssima. Parabéns Marcos Santos!
MUITO MUITO Boa entrevista, HOJE #tabernadochefprocopio recebe co chef Almir para uma degustação amazônica